quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Brizola para Lula: "Confio que algo de positivo ainda vai de acontecer." - "Se não for pela ação do Judiciário, será pelo poder das ruas."

Brizola: ‘Julgamento de Lula foi um teatro’

Por Marceu Vieira - 25/01/2018

Em nova alucinação, o cronista digital voltou a entrevistar sua lembrança de Leonel Brizola – desta vez, no dia da condenação de Lula em segunda instância.

Brizola pula a fogueira - Campanha eleitoral de 1982 - Irajá, Rio de Janeiro - foto Aguinaldo Ramos

Governador, daí onde está agora, o senhor acompanhou o julgamento do Lula?

Sim, Romeu. Eu, de cá onde estou, a tudo assisto e tudo ouço. Vi tudo isso com grande apreensão e tristeza. Francamente, sinto muita tristeza. Este velho coração, já parado, ficou mais engelhado, tu podes acreditar. Vi tudo isso, principalmente, com a preocupação de quem não pode mais estar aí para manifestar a sua indignação. Por isso, mais uma vez, pedi permissão aos líderes do universo, que um dia tu, que és novilho precoce, também saberás quem são, para acompanhar mais esse calvário, que não é só do Lula, creias, mas de todo o povo brasileiro. Pedi permissão também para dizer através de ti, novilho precoce, como tantos que aí vejo, algumas palavras.

Novilho precoce?

Tu me perdoes. Não te ofendas, Orfeu. Novilho precoce é aquele abatido quando ainda não completou 30 meses. É como vejo os sonhos da tua geração. A tua geração foi abatida em tantos sonhos desde que esses facínoras, não é verdade?, se aferraram ao poder no fim da ditadura. Deu-se, então, a ditadura econômica, comandada por esses filhotes da ditadura militar. Houve a vitória do povo com Lula, depois com a dona Dilma, mas, no fundo, tisc, no fundo, eles, os facínoras, estiveram sempre ali, de prontidão, o tempo todo, comandando os carreiros com suas varas finas, a guiar a boiada rumo ao abatedouro da ditadura econômica. Francamente, acredito que o PT, num dado momento, achou que a fatura já estava ganha e deu rédeas a esta gente. Eu sinto pena de ti e de tantos novilhos precoces abatidos em seus sonhos. E sinto, sobretudo, creias, uma profunda dó do Brasil.

O julgamento do Lula foi injusto?

Só a maldição do Coisa Ruim poderia fazer alguém, em sã consciência, acreditar que o que se passou com o Lula transcorreu de uma maneira limpa e justa. Francamente! Lula, vá lá, cometeu por aí os seus equívocos. Pecados veniais. Francamente, Lula costeou o alambrado algumas vezes, e até ultrapassou a cerca em ocasiões importantes, fazendo festa de cusco interessado num naco de carne, ou mesmo cegando os olhos para os donos do poder econômico e político, que ameaçavam a sua governabilidade. Mas, a rigor, não vejo em nada um crime que justifique esse calvário imposto pelo juiz Louro ao ex-presidente.

O senhor fala do juiz Moro?


Alfeu, perdoes este velho já morto, que vem de longe, e ainda não se habituou ao nome do magistrado. Mas, francamente, com todo o respeito aos louros, ele, o juiz, está mais para Louro, a ave, não é verdade?, aquela que reproduz o que o dono repete e não pensa nem sabe o que diz. Só reproduz o que lhe ensinam na repetição.

O juiz Moro estaria a serviço de que dono?

Francamente, a rigor, não vejo de outra forma. Ele, o Mouro, não parece ter a virtude da isenção, que se presume que os magistrados devam ter. Está claro, nas suas decisões, a quem ele serve. Veja como ele se comporta com os do lado de lá! Chega a ser perigoso para o Judiciário ter o destino do Brasil nas mãos desse jovem juiz, cujo objetivo, a mim me parece, é apenas o de esmagar Lula e suas possibilidade de retorno à Presidência. E a quem interessa que Lula esteja fora da disputa?! Não sei quais são as convicções políticas do meritíssimo, o que ele supõe como país ideal para os seus filhos. Mas se tem tem rabo de jacaré, dente de jacaré, couro de jacaré, só pode ser jacaré! Vejo essa artilharia contra o Lula diferente do bombardeio daquele cantor, por exemplo, o Tigrão, francamente, que ataca, ataca, ataca com sua língua afiada, e nada propõe para pôr no lugar do que deseja desconstruir. Essa gente a que o juiz Louro serve sabe muito bem o que quer perpetuar.

Quem é esse Tigrão, governador?

O cantor… Eu não saberia classificar. Funkeiro talvez não seja. Acho que é do iê-iê-iê, uma espécie de astro do iê-iê-iê brasileiro, que anda apartado da grande mídia. Ele tem uma música que admiro, que diz: “A vida passa na TV.” Nem sempre a vida real passa na TV. Mas este verso desse Tigrão, na verdade, diz um pouco do meu sentimento.

Governador, não seria Lobão?

Sim, é esse. Peço perdão a ele pelo meu engano, Aristeu.

Marceu, governador.

Ah, quanto a ti, já me desculpei muitas vezes. Sempre troquei teu nome. Tu me desculpes, Marcel. Mas deixe-me concluir. O juiz não é como esse Tigrão, que expõe seu desejo de demolir tudo isso que aí está sem oferecer uma alternativa capaz de estancar o sangue do povo brasileiro. Tu sabes que eu também jamais morri de amores pelo Lula. Há questões fundamentais nas quais divergimos ao longo de toda a minha passagem por este plano. Mas não vejo no Brasil alternativa melhor neste momento do que o Lula. O povão humilde, as nossas crianças de pés descalços e canelas ruças, as mulheres oprimidas, os nossos irmãos negros, quem melhor para olhar por eles? Penso que esse seja o Lula. Por isso, os interésses econômicos o temem tanto, porque querem o leite da vaca só para si! Quem melhor para estancar as perdas internacionais que mantêm tudo isso que aí está?! No meu entendimento, honestamente, o Lula.

Governador, o presidente Temer disse que…

Um momento, Argeu! Tu me desculpes interromper. Não quero falar desse Temer. Esse Temer, a rigor, não é nada! É um rito de passagem, um bonecão do posto, não é verdade?, tu me entendes, um bonecão do posto que está ali, tisc…, está ali só para cumprir a tarefa de quem de fato comanda as ações, que é o poder econômico, que é essa elite apodrecida, que, daqui onde estou eu pressinto, um dia vai morrer de velha sem que ninguém vá ao seu funeral! A rigor, é o que vai acontecer! A elite brasileira vai morrer de velha, podre, sem que ninguém vá ao seu funeral!

Voltando ao julgamento, o senhor acreditava na possibilidade de absolvição do Lula?

Veja, Pirineu. Como se diz nos pampas, o cenário sempre esteve mais feio do que o diabo chupando limão, não é verdade? Tudo se deu como o grande poder desejava que as coisas sucedessem. Mas, honestamente, mantenho a minha fé no bom senso dos juízes que ainda julgarão novos recursos do ex-presidente. A mim, sempre pareceu improvável o cenário de 3 a 0 a favor do Lula. Mas acreditava numa análise mais equilibrada nessa segunda instância do que os 3 a 0 contra ele. Eu me recolho com grande tristeza depois de assistir ao que assisti em Porto Alegre.

O aumento da pena de Lula, na sua opinião, sinaliza que…


Permita-me concluir. O tempo é o maior de todos os juízes. O tempo também julgará esses desembargadores, como também julgará o juiz Louro. Os regentes dessa sustentação ao juiz, a meu ver, são mais assanhados do que lambari de sanga. São mais ásperos do que língua de gato. Mas, a rigor, esse julgamento do Lula não passa de uma bazófia para o juiz Mouro. Na verdade, foi um teatro apenas! Um teatro! A rigor, foi um teatro, com final já previsto. Lula, para eles, já estava esgualepado que nem cincha de bagual. Mas lhe asseguro, Doalcei, Lula é forte e resistirá. Disso, creias, eu não tenho dúvidas. Confio que algo de positivo ainda vai de acontecer.

No Judiciário?


Se não for pela ação do Judiciário, será pelo poder das ruas.

O senhor acompanhou o comício do Lula e da Dilma em Porto Alegre na véspera do julgamento?

Sim. Confesso que assisti a tudo com muita alegria e saudade daquele cenário. Eu mesmo já estive ali, diante de multidão até maior, modéstia à parte, proferindo as minhas crenças e as minhas verdades. No meu último quarto de hora neste ambiente terreno de vocês, era do que mais sentia falta, de falar co franqueza para o nosso povão.

O senhor ainda acredita que Lula consiga se candidatar?


Veja, Ateneu. Quando eu estava no exílio, e aqui ainda mal se falava em abertura política, ninguém acreditava que o Leonel Brizola pudesse voltar e se eleger governador. Sobretudo de um estado como o Rio de Janeiro, onde funcionava o intestino da ditadura, não é verdade? No Rio de Janeiro, estava o intestino grosso da ditadura! Mas este velho combatente, como tu sabes, desembarcou na Guanabara e derrotou até mesmo a fraude! E tiveram de nos engolir! De modo que não duvido das possibilidades do Lula. Uma nuvem escura se precipitou sobre o campo popular, que é o nosso, que é o do Lula, mas a tempestade, tu creias, tisc…, não dura para sempre. Nem o dilúvio de Noé durou para sempre. De modo que mantenho a minha crença.

Marceu Vieira é jornalista, compositor, ficcionista e cronista do cotidiano. Iniciou-se no jornalismo na extinta "Tribuna da Imprensa" e seguiu na profissão, sempre repórter em tempo integral, nas redações de "O Nacional", "Veja", "O Dia", "Jornal do Brasil", "Época" e "O Globo". Hoje, é jornalista independente.

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